segunda-feira, março 03, 2008

A Manifocracia!


Não sou professor, nada tenho a ver com o PS, acho que no ministério da educação há aspectos criticáveis e dignos de ponderação, mas daí até fazerem-se manifestações gigantescas por coisas de lana caprina vai uma distância muito grande.



Acho que a democracia pode ser desvirtuada por vários factores. A comunicação social, quando manipulada, pode ser uma força obstrutora, um pedregulho na engrenagem.

As manifs valem o que valem. Algumas justificar-se-ão, outras, não passam de formas de pressão sobre entidades públicas podendo estar inquinadas, à partida, pela ambição de poder, sendo armas de arremesso cuja legitimidade é susceptível de ser questionada.



Era uma noite de inverno e eu frequentava um curso nocturno de computadores, em Lisboa. As aulas começavam às nove da noite. Corria o ano de 1975, o tal do verão quente. Numa perpendicular à Av da República eu vi surgir ao longe uma grandiosa manifestação. Não recordo qual a motivação, qual o superior objectivo que a norteava. Eu e mais três ou quatro íamos comentando o desenrolar daquela gigantesca serpente humana. Talvez tivéssemos emitido algum sorriso ou alguma piada, não me recordo. O que sei é que, já próxima de nós, aquela mole imensa de mais de dez mil pessoas começou a aproximar-se cada vez mais. Como nós nos mantivéssemos no passeio (a aula começaria dali a pouco) começámos a ouvir uma palavra de ordem altamente intimidatória e (aparentemente) dirigida a nós. «É feio ficar no passeio!!!»
«É feio ficar no paseio!!! É feio ficar no passeio!!!»

Alguns dos meus colegas que tinham aula a seguir, intimidados pelo ambiente, começaram a engrossar aquele caudal humano, eu, pelo contrário, e nada tendo contra as motivações da manifestação, mas zelando pela minha integridade psíquica e pelo meu aprumo moral (muito embora arriscando a integridade física...) fiquei sozinho no passeio...

Surpresa das surpresas: um grupo, onde se destacava um indivíduo com tatuagens e ostentando um físico impressionante, veio direito a mim com ar inquisitivo indagando: «vocè está contra a manifestação, porquê?»

Fiquei perplexo! como era possível tal atitude, tal assomo de pouca-vergonha! a princípio pensei em explicar que tinha aulas dali a pouco e dizer a verdade. Mas não. Fiquei revoltado. Eu que era militar, que durante o dia defendia a liberdade e a democracia, estar ali confrontado com um bando, uma troupe de histriões, e ter que justificar os meus actos!!! Que canalhice!!! Virei-me para o tal líder do grupo e exclamei apenas: «estou a usufruír daquilo que ajudei a criar, sou militar e estou a observar a liberdade!»

Quando disse que era militar, ele reparou no meu cabelo curto, no meu ar jovem e interpelou: «se é militar é pela democracia e pela liberdade, não é?!»

Respondi secamente: «sou,. sou; mas quero ter a liberdade de escolher a manif antes de entrar nela!"

Entretanto, chegou perto de nós um militar que me conhecia e exclamou: «este é um poeta, deixa estar que deve estar a contemplar a lua!»

Todos sorrimos e a coisa ficou por ali. Mas jamais esqueci a ofensa, a atitude estalinista do «segurança» da manif, dos métodos totalitários que tentavam intimidar tudo e todos para ir na «enxurrada», na carneirada manifestante. Tinha estado nas comemorações do primeiro primeiro de Maio, num Estádio onde nem Mário Soares foi autorizado a subir ao palco pois era vaiado e considerado «fascista», não tendo conseguido discursar sequer.
Depois estive na manifestação da Fonte Luminosa onde se criticou a actuação hegemónica de Álvaro Cunhal tentando pôr em prática a ditadura do proletariado. Dera uma entrevista à jornalista Orianna Falaci (italiana) onde admitia estar a levar avante um projecto vanguardista de ditadura do proletariado, tendo negado mais tarde o teor da entrevista. Enfim, um autêntico manicómio esta «revolução» das manifs, esta ostentação de força à custa de papalvos metidos em camionetas em todo o Alentejo para inundar a capital e fazer valer a sua força. Ditadura do proletariado no seu expoente mais folclórico e excursionista...

Assim, não creio nas manifs e no seu substrato ideológico. É um direito, uma arma legítima, a exibição pública de alguma «indignação», mas, em certas circunstâncias, é um excesso de legítima defesa, uma arbitrariedade folclórica. É, na minha modesta opinião, este o caso face à ministra da educação.

«É feio ficar no passeio!» Mas eu fico. Sou livre, sou democrata, não sou um carneiro timorato...

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